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domingo, 3 de julho de 2011

International College Program e a Gestão de Pessoas na Disney

       Para os que vão fazer o International College Program pela primeira vez (ou querem saber melhor como a Disney faz o treinamento dos ICPs lá..) vale ler o texto todo.

       Para os que só querem entender melhor qual o "resultado final" da minha viagem... vale ler o final (a "conclusão").
  
      Fiz esse "texto" como trabalho para um professor. O objetivo não era criar um artigo acadêmico, mas contar uma experiência que vivi, um estudo de caso mais informal.
     #ficadica ;)
1.    PROCESSOS DE GESTÃO DE PESSOAS NA WALT DISNEY WORLD

De acordo com Chiavenato (2004), a Gestão de Pessoas é um conjunto integrado de processos dinâmicos e interativos. Os seis processos básicos são apontados na figura a seguir.


 A Disney é uma empresa que tem consciência de que “convidados (clientes) felizes não são fruto de acasos felizes, mas sim de planejamento, treinamento e reforço” (CONNELLAN, 1998).
Por volta de 1955, foi criado um programa denominado ‘Você cria felicidade’ que foi responsável pelo treinamento dos primeiros 600 empregados da Disneylândia. Todavia, foi com o objetivo de estabelecer definitivamente a busca constante da excelência em seus serviços, que, em 1960, a organização criou oficialmente a Disney University, consolidando a importância da relação convidado-membro do elenco (EBOLI, 1989).
Nesse trabalho irei descrever minha experiência de trabalho na Disney, onde pude vivenciar de perto alguns dos processos de Gestão de Pessoas mencionados por Chiavenato.


 2. AGREGANDO PESSOAS

O processo de agregar pessoas é aquele utilizado para incluir novas pessoas na empresa. Podem ser denominados processos de provisão ou suprimento de pessoas. Inclui o recrutamento e a seleção (CHIAVENATO, 2004).
Durante o período de festas fim de ano, os parques e resorts da Walt Disney World na Flórida têm um aumento de demanda por mão de obra qualificada, principalmente profissionais que falam mais de um idioma. Desta forma, é possível recepcionar e atender os “guests” (palavra pela qual a Disney define seus clientes) dentro do padrão de excelência Disney.
A partir dessa demanda, a empresa realiza processo seletivo em diversos locais do mundo, buscando universitários que tem interesse em viver uma experiência internacional. O programa criado para tais candidatos é chamado International College Program (ICP) e tem uma duração aproximada de 3 meses.
A Disney desenvolveu parcerias estratégicas com agências de intercambio para realizar o trabalho operacional e local de recrutamento e seleção de candidatos. No caso do Brasil, a agência Student Travel Bureau (STB) é a responsável por fazer esse elo entre a maior empresa de entretenimento e os colaboradores em potencial.
Apesar do ICP ser iniciado no final do ano, o processo de recrutamento acontece de forma constante, principalmente na internet. A STB realiza uma divulgação em universidades, sites e redes sociais, todavia, o marketing “informal” assume um papel fundamental no recrutamento. Grande parte dos inscritos conhece alguém que participou e vivenciou todas as etapas do intercambio, configurando um cenário de marketing “boca-a-boca”.
A primeira etapa acontece entre maio e junho e é uma palestra informativa com presença obrigatória. Ela é realizada em inglês por um funcionário da STB, configurando uma forma inicial de “selecionar” indiretamente aqueles candidatos que possuem um nível de inglês satisfatório. Após a palestra são distribuídos horários para segunda etapa, que é composta por uma entrevista.
A primeira entrevista é realizada em grupo de 2 ou 3 candidatos, em que o funcionário da STB faz questionamentos em inglês. Nessa etapa eliminatória, além do idioma, já é avaliado o perfil do candidato e suas competências.
Os participantes que recebem um feedback positivo da agencia de intercambio vão para a etapa final, realizada juntamente com os recrutadores da Disney. Essa fase também possui uma palestra em inglês e entrevista, ambas feitas por um colaborador da Walt Disney. Os cargos disponíveis e competências necessárias são abordados com mais detalhes e, com base nas informações, o candidato precisa escolher suas áreas preferenciais de trabalho.
No dia da entrevista final, o recrutador da Disney faz diversas perguntas para entender melhor o candidato, sua experiência profissional, seus interesses e motivos de realização do intercambio. Assim poderá ser feito uma comparação entre as competências pessoais (individuais), as competências básicas e essenciais exigidas pela organização. Caso tenha o perfil desejado para integrar o grupo de colaboradores da Disney, o selecionado receberá uma ligação informando qual o cargo será desempenhado, sua data de viagem e as próximas etapas burocráticas a serem realizadas.
Nessa fase o STB assume outro papel fundamental: o de informar, preparar, integrar e organizar os candidatos antes do inicio do programa. Além de orientação para conseguir o visto no consulado americano, contratação do seguro e compra de passagem, também são passados documentos os exigidos pela Disney.
 

3.    APLICANDO E RECOMPENSANDO PESSOAS

O processo de aplicar pessoas é utilizado par desenhar as atividades que os colaboradores irão realizar na empresa. Inclui desenho organizacional, desenho de cargos, análise e descrição de cargos, orientação das pessoas e avaliação do desempenho (CHIAVENATO, 2004).
Chiavenato (2004) continua explicando que já o processo de recompensar pessoas é utilizado para incentivar e satisfazer suas necessidades individuais mais elevadas. Inclui recompensas, remuneração, benefícios e serviços sociais.
Ao chegar aos Estados Unidos (EUA) e passar pela imigração, o intercambista vai para as dependências da Disney, onde é alocado em um dos alojamentos específico para seus funcionários temporários. O cast member (maneira como a empresa denomina seus colaboradores) tem um valor descontado automaticamente da sua folha de pagamento para que a empresa possa complementar e subsidiar tais benefícios. Todos os complexos habitacionais contêm uma ótima infra-estrutura para facilitar o processo de adaptação e a qualidade de vida do colaborador. Entre os benefícios oferecidos pode-se destacar apartamento mobiliado, transporte (tendo como destino o trabalho, shoppings e supermercados), internet, academia, piscina, segurança, máquinas de lavar e secar roupa, dentre outros.
Nos dois primeiros dias de adaptação, a empresa utiliza mais intensamente o processo de aplicar pessoas. Ocorrem os chamados “Orientation Day”, que possuem duração aproximada de 4 horas, ocorrendo uma orientação dos cast members sobre a cultura organizacional, políticas da empresa, regras de convivência nos condomínios. Posteriormente, profissionais da organização auxiliam no preenchimento da documentação necessária para conseguir o Social Security Number (documento que permite trabalhar legalmente no EUA).
Ao final dessa etapa, os colaboradores recebem suas IDs (carteiras de identificação para entrar e sair do condomínio), ficam sabendo de seus respectivos locais de trabalho (um dos parques ou resorts) e, conseqüentemente, sabem qual será o salário pago pela organização (que depende do cargo e local de trabalho definido).

4.    DESENVOLVENDO PESSOAS

Desenvolver é explicado por Chiavenato (2004) como um processo utilizado para capacitar e incrementar o desenvolvimento profissional e pessoal das pessoas. Inclui treinamento e desenvolvimento, gestão do conhecimento e gestão de competências, programas de mudanças e desenvolvimento de carreira e programas de comunicação e consonância.
O treinamento da Disney é considerado por muitos como um exemplo de excelência de gestão. Segundo Chiavenato (2004), as empresas que estão privilegiando a educação corporativa criaram suas universidades próprias: as universidades corporativas (UC). Eboli (2004, p. 48), classifica a missão da UC da seguinte maneira:

Formar e desenvolver os talentos na gestão dos negócios, promovendo a gestão do conhecimento organizacional (geração, assimilação, difusão e aplicação), por meio de um processo de aprendizagem ativa e contínua.

Uma das referências no tema, a Disney investe nesse modelo na formação de seus profissionais, possuindo a Disney University. Connelan (1998) ressalta que já antes da inauguração de seu primeiro parque, Walt Disney já tinha claro a importância estratégica de seus empregados para que o ideal de parque que fora pensado pudesse ser concretizado.
Portanto, grande parte do treinamento é padronizado e ocorre na Disney University e no próprio local de trabalho.
O primeiro dia de treinamento é conhecido como Traditions, onde se aprende tudo sobre a história da Disney e o próprio Walt Disney em si. Depois de passar vídeos e fazer atividades interativas os treinadores levam os grupos de cast members em direção ao Backstage (bastidor) do Magic Kingdom, principal parque da Walt Disney World. Desta forma, consegue-se ter uma dimensão do trabalho realizado e que, muitas vezes, não é percebido pelos clientes da empresa.
O segundo dia já é de treinamento específico, sendo chamado de Discovery Day. Os colaboradores são separados de acordo com o seu local (parque ou resort) de trabalho. O objetivo é saber mais detalhes sobre a história do local, seja um parque ou resort. Depois da parte teórica, é feita uma visita ao parque, em que pode-se ver de perto alguns brinquedos e ter uma noção geral das principais atrações contidas nele.
Posteriormente o treinamento começa a ser difecionado a função específica que cada um irá desempenhar. Como eu trabalhei na área de merchandising, tive o Merchantainment (uma palavra que a Disney inventou para denominar a mistura de Merchandising com Entertainment). Nela aprendemos sobre a importancia do atendimento ao cliente, de criar memórias tangíveis para quem vai ao parque, de contar dinheiro do Disney Way um jeito de contar dinheiro específico de quem trabalha na Disney) e a o sistema utilizado nas máquinas registradoras das lojas (conhecida, entre muitos nomes, como MATRA).
A outra parte de treinamento específico é na loja, restaurante ou local de trabalho. Nessa fase o cast member passa a ter a presença de um ou mais “coachs” (treinadores) durante um período de aproximadamente duas semanas. Esse treinamento é chamado de Tier, sendo dividido em diferentes etapas de acordo com a função desempenhada. O cast member recebe um broche de “Earning My Ears” para colocar no uniforme, desta forma os clientes podem identificar que eles estão em período de treinamento. O treinador faz todas as atividades rotineiras junto com colaborador e, ao final de cada Tier é feito um teste (chamado pela Disney de assignments). O candidato precisa ser aprovado na prova para seguir para a etapa seguinte de treinamento e, consequentemente concluí-lo.

5.    MANTENDO E MONITORANDO PESSOAS

O processo de manter pessoas é utilizado para criar condições ambientais favoráveis e psicológicas satisfatórias para as atividades das pessoas. Incluem administração da cultura organizacional, clima, disciplina, higiene, segurança e qualidade de vida e manutenção de relações sindicais.
Já o processo de monitorar é utilizado para acompanhar e controlar as atividades das pessoas e verificar resultados. Incluem banco de dados e sistemas de informações gerenciais (CHIAVENATO, 2004).
Além dos benefícios oferecidos, a Disney também adota outras estratégias para motivar e manter seus funcionários. Entre elas destacam-se os descontos em produtos e serviços da organização (que podem chegar em até 50%, dependendo da época do ano), entrada gratuita nos parques, ingressos gratuitos para levar família e amigos, descontos em produtos e serviços de empresas parceiras, etc.
Todavia, outro importante processo é o de controlar e avaliar o desempenho do cast member. Existe um Record Card (sistema de controle de desempenho), onde são registrados atrasos, faltas, assim como observações negativas e positivas feitas sobre o colaborador. Dependendo do número de pontos negativos acumulados no Record Card, o cast member pode receber um “Repriment” (ou seja, uma advertência do seu superior). Ao acumular um número grande de Repriments, o funcionário pode ser “Terminated” (palavra usada para definir a expulsão, demissão), tendo seu visto cancelado e precisando voltar ao seu país de origem, quando esse for o caso.
 6.    AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA

Essa experiência internacional me agregou competências que vão muito além das que podem ser expressas no meu currículo. Tive a oportunidade de conhecer lugares, pessoas e culturas diferentes, além de vivenciar de perto como funciona o dia-a-dia de uma empresa que possui um sistema de gestão exemplar.
Desenvolvi o meu inglês, mas, acima de tudo, aprendi a conviver com as diferenças e desenvolvi minha independência (financeira, pessoal, profissional e emocional). Comecei a perceber que entender o outro é aspecto fundamental para criar uma relação saudável, única e construtiva, seja esse “outro” um cliente, um colega de trabalho ou um amigo. Assim, me dei conta de que, muitas vezes, certo ou errado é uma simples questão de ponto de vista.
Percebi que muitas vezes nós achamos que conhecemos “os outros” (outros países, outras pessoas, outras culturas) com base no que vemos na mídia. Todavia, achar é muito diferente de realmente conhecer. Como resultado em alguns momentos quebrei paradigmas e “pré-conceitos” que possuia, em outros momentos reafirmeu aquilo que imaginava e via na TV.
Afinal, não importa o quanto eu me deparava com as diferenças, no final minha conclusão era sempre um surpreendente paradigma: somos mais parecidos do que imaginamos. Hoje tenho uma rede de networking profissional e, principalmente, um circulo de amizade que ultrapassa todas as fronteiras.
Passei a pensar além de mim, além da minha realidade... e comecei a pensar de forma global.



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